Coluna Penal 360

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

O interrogatório judicial: Planejamento, alinhamento e emoção na defesa plena

Processo exige mais emoção e subjetividade do acusado para que a defesa técnica realizada pelo advogado seja eficiente também sob o aspecto humano.

11 de junho de 2025 às 13:57
6 min de leitura

Hoje vamos conversar sobre o interrogatório judicial, a última etapa do procedimento persecutório antes da indicação de diligências finais e da conclusão para prolação de sentença condenatória ou absolutória. O interrogatório pode ser compreendido como o momento mais significativo em que o acusado se encontra, pela primeira e única vez, frente a frente com quem irá julgar seu caso: o juiz.

Interrogatório - foto: The New York Public Library na Unsplash

Sempre enfatizo que o processo penal, por envolver possíveis privações de liberdade, perdas patrimoniais e outros direitos fundamentais, não pode ter sua defesa baseada unicamente em aspectos estritamente técnicos, aqueles elaborados pelo advogado e sua equipe, como peritos ou pareceristas. É fundamental reconhecer que o processo penal também é permeado por emoção—e isso se destaca de maneira clara, por exemplo, no Tribunal do Júri.

No Tribunal do Júri, a presença da emoção é não apenas aceita, mas considerada fundamental. Essa mesma força emocional deve estar presente também no interrogatório judicial, seja no procedimento comum ordinário (para crimes cuja sanção máxima é igual ou superior a 4 anos), no procedimento sumário (cuja sanção máxima é inferior a 4 anos), ou ainda no rito sumaríssimo, aplicável às infrações de menor potencial ofensivo. Isso porque o interrogatório é o momento em que o acusado tem a chance de se manifestar diretamente ao juiz, podendo influenciar, ainda que de forma subjetiva, quem será responsável por decidir o seu destino.

Ricardo Pinheiro.

Ao contrário das estratégias técnicas, que competem ao advogado, no interrogatório é importantíssimo que o acusado use a emoção, mostrando suas reações humanas: choro, descontração, assertividade, sinceridade, dentre outros recursos autênticos. A defesa, nesse momento, ganha força quando utiliza todos os meios para comprovar sua tese—seja a atipicidade da conduta, o excesso acusatório ou alguma abusividade na denúncia.

Recentemente, um episódio emblemático ilustrou bem essa ideia: o interrogatório do ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, perante o Supremo Tribunal Federal, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. Ao longo da audiência, o ex-presidente recorreu ao bom humor e conseguiu quebrar a tensão do ambiente com comentários descontraídos e brincadeiras — como, por exemplo, quando convidou o Ministro, em tom descontraído, para ser seu vice-candidato nas próximas eleições.

Fui questionado por algumas pessoas se tal postura seria adequada à defesa. Respondi que sim: trata-se de uma estratégia legítima. Levar emoção e descontração ao ambiente do interrogatório pode ser útil para atenuar a tensão inerente ao processo criminal e, muitas vezes, fortalecer a narrativa defensiva.

O processo penal exige mais: exige demonstração de humanidade, o envolvimento da subjetividade, da dor, do medo, da verdade de quem está sendo julgado.

Seja do lado do ex-presidente, seja do lado do colaborador da Justiça, Mauro Cid, é evidente o preparo técnico e estratégico dos advogados. Eles sabem da importância de ensaiar não apenas respostas, mas também emoções, pois compreendem que o interrogatório é ato decisivo na formação do convencimento do juiz.

Vale lembrar que o artigo 198 do Código de Processo Penal dispõe que o silêncio do acusado não implica confissão, mas pode ser considerado pelo juiz na formação de seu convencimento. Portanto, adotar como estratégia apenas o silêncio ou respostas evasivas dificilmente será a melhor escolha. Embora o artigo 186, parágrafo único, do P assegure que o silêncio não pode ser interpretado em prejuízo da defesa, é importante destacar que ele ainda pode servir como um dos elementos analisados pelo magistrado, o que pode trazer riscos à tese defensiva.

O interrogatório também representa uma oportunidade para confissão, a qual, se realizada, pode resultar na obrigatória redução da pena em caso de condenação, conforme prevê o artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. Trata-se, portanto, de um momento processual ainda mais abrangente: o ápice da autodefesa, em que o acusado pode demonstrar não apenas sua versão dos fatos, mas também toda a carga emocional envolvida em sua trajetória diante do Judiciário.

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III - ter o agente:

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

Em suma, a emoção no interrogatório é essencial para o exercício da defesa plena. É preciso planejar, ensaiar, conversar exaustivamente com a defesa técnica, para que emoção e razão atuem de forma alinhada. A defesa verdadeira integra provas técnicas, oratória convincente e uma expressão autêntica dos sentimentos do acusado, tornando mais justo e completo o processo de formação da convicção do juiz.

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